- Quando o refúgio se torna num beco sem saída
- Consumo de álcool pode causar esquizofrenia, depressão e ansiedade
- Psicólogo adverte que álcool pode danificar o fígado e causar impotência sexual
Nos últimos anos, o consumo excessivo de álcool entre jovens tem emergido como uma crise silenciosa, cujas consequências devastadoras vão muito além dos efeitos físicos imediatos. O álcool, muitas vezes visto como uma válvula de escape ou uma maneira de integração social, tem arrastado milhares de jovens para um abismo, afectando não apenas seus corpos, mas suas mentes e almas. Essas histórias não são apenas sobre bebidas ou momentos de diversão passageira, mas sobre sonhos interrompidos, famílias devastadas e futuros destruídos. O consumo precoce e excessivo de álcool, embora frequentemente associado a comportamentos temporários, pode gerar dependência, transtornos mentais graves, como esquizofrenia, depressão e ansiedade, e doenças físicas debilitantes, como cirrose hepática, falhas cardíacas e a impotência sexual.
Luisa Muhambe
Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que cerca de 25% dos jovens em países em desenvolvimento, como Moçambique, consomem álcool regularmente. Segundo a pesquisa, o álcool é a substância mais consumida entre os jovens, sendo responsável por uma grande parcela dos casos de transtornos mentais em indivíduos de 18 a 30 anos.
Só em 2016, o consumo de bebidas alcoólicas na cidade de Maputo deixou um total de 2.014 jovens com perturbações mentais, segundo o Gabinete de Prevenção e Combate às Drogas (GPCD). Trata-se de jovens com idades compreendidas entre 16 e 25 anos.
A trajectória de Arlindo Júnior, 23 anos de idade, e Anastácio Tembe, 18 anos de idade, são exemplos dramáticos de como o álcool pode remodelar destinos, trazendo à tona a dor e a luta pela recuperação, mas também revelando o lado mais sombrio e inescusável desse vício.
Arlindo Júnior nasceu em Maputo e cresceu rodeado de sonhos e expectativas. Era um jovem promissor, cheio de planos, até que, aos 18 anos, decidiu experimentar o álcool num momento de descontração com amigos. O que parecia ser apenas uma brincadeira, uma diversão passageira, logo se transformou em algo incontrolável. Sua mãe, Cândida Bombe, lembra com dor.
“No início, parecia algo inofensivo, uma cerveja aqui e ali. Mas não demorou para que ele perdesse o controlo. O álcool não só tomou conta do seu corpo, mas da sua alma, meu filho se tornou minha maior tristeza, até hoje não entendo quando foi que eu perdi meu filho, a dor é muito grande, passei a não reconhecer mais o meu próprio filho”, contou a fonte.
“Ele ficou tão mal que chegou a me agredir, passei a ter medo do meu próprio filho”
As primeiras doses se tornaram compulsão, e a bebida logo passou a dominar todos os aspectos da vida de Arlindo. O que começou como uma fuga leve de responsabilidades, lentamente consumiu sua identidade e seu equilíbrio emocional. A mãe de Arlindo lembra da dor de ver num beco sem saída.
“Ele já não conseguia mais fazer nada sem o álcool. Até as coisas mais simples se tornaram insuportáveis, então descobri que para além da bebida, usava outras coisas. Ele ficou tão mal que chegou a me agredir, passei a ter medo do meu próprio filho, faz seis meses que não sei nada dele, tenho medo que nem mais vivo ele esteja, tenho medo de receber uma notícia ruim, às vezes algumas pessoas lhe encontram por aí e vêm nos dizer. Todos os dias me pergunto onde errei, o que não dei, mas não encontro respostas”.
A dependência de álcool não apenas minou sua saúde física, mas também desencadeou um turbilhão mental. Arlindo começou a sofrer de alucinações visuais e auditivas, uma clara manifestação de como o álcool pode provocar distúrbios psiquiátricos graves, muitas vezes fatais.
Com 23 anos, a batalha interna de Arlindo culminou em uma crise devastadora, levando-o a trocar o conforto e a segurança do lar pelas incertezas das ruas.
Anastácio experimentou o álcool e hoje luta para vencer a dependência
Anastácio Tembe, por outro lado, traz uma história que, embora marcada por sofrimento, também carrega a esperança de recuperação. Aos 14 anos, Anastácio, como muitos de seus amigos, começou a beber. O desejo de pertencimento ao grupo foi a centelha para um vício que rapidamente tomou conta de sua vida.
“Comecei a beber na escola durante os intervalos com amigos. Era só para me sentir parte de algo, mas logo percebi que já não conseguia mais parar, o dinheiro das fichas eu usava pra comprar bebida, não me importava mais com a escola, tudo que eu fazia era beber e beber”, confessa Anastácio.
O alcoolismo de Anastácio afectou de forma irreparável sua saúde mental. Ele começou a se perder em alucinações, a se isolar, a sentir que sua própria identidade estava desaparecendo. “Eu bebia até cair, minha mãe teve que me ir levar várias vezes, sentia como se estivesse sendo perseguido por algo invisível, não tinha controlo de mim mesmo”, relembra, com uma tristeza que reflecte o sofrimento profundo causado por esse vício. A mania de perseguição, um sintoma clássico de transtornos mentais relacionados ao uso excessivo de substâncias, era uma das muitas faces do monstro que ele estava alimentando.
Com o apoio incondicional de sua família e força de vontade, Anastácio iniciou um longo e doloroso processo de recuperação. “É uma luta difícil, mas sinto que vou conseguir. Ainda luto contra os pensamentos e contra a vontade de beber, mas quando penso na minha mãe, que foi a que mais sofreu com o que eu fazia comigo mesmo, ganho forças para continuar”, diz com uma gratidão silenciosa. Sua vitória, embora difícil e carregada de cicatrizes, serve de inspiração para muitos que estão à beira de perder tudo.
Especialistas alertam sobre os perigos do consumo excessivo do álcool
Segundo especialistas, o consumo excessivo de álcool pode alterar a química do cérebro de maneira tão profunda que leva à perda de funções cognitivas, déficits de atenção e até mesmo distúrbios de memória.
O psicólogo Paulo Massango explica que o álcool pode precipitar transtornos graves, como esquizofrenia, ao mesmo tempo que amplifica condições preexistentes como a ansiedade e a depressão.
“O alcoolismo em jovens frequentemente é a porta de entrada para uma série de transtornos mentais. No caso de Arlindo, observamos uma progressão clara rumo à autodestruição. O álcool pode afectar de forma profunda a capacidade de julgamento, além de intensificar distúrbios emocionais existentes, como a ansiedade e a depressão. Além das condições psicóticas que ele pode causar, o consumo contínuo de álcool pode gerar um estado de depressão profunda, ansiedade constante e até mesmo agressividade. Os jovens, ao se entregarem ao vício, deixam de se preocupar com seu bem-estar, dando início a um ciclo de autodestruição que só pode ser quebrado com grande esforço e apoio”.
Aos poucos, o vício não afecta apenas a mente, mas também o corpo. O fígado, o coração e até mesmo a memória são tragados pelo consumo desenfreado.
“O álcool não destrói apenas o espírito, mas também o físico”, alerta Massango. “Problemas no fígado, impotência sexual e dificuldades cognitivas são apenas algumas das muitas consequências do abuso”.
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